sábado, 28 de maio de 2011

Cicloiô

Fui dar uma volta. Voltei. Já fui. Vim. Fui. Fui. Fui. Dei adeus e me arrependi. Chorei. Voltei de novo. Em partes. Toda. Um pedacinho. Com medo. Comendo. Com fome. De você. E agora? Tô escondida. Prefiro assim: um eu tu nós sem vós e sem eles escondidinho do aconcheguinho do seu cobertorzinho sozinho no quartinho. Assim o nosso amor respeita o pronome possessivo e não se expande por aí.

Nunca gostei muito do mundo. Julgam demais. Falam demais. Comentam demais. Opinam demais. Julgo demais. Falo demais. Comento demais. Opino demais. E não entendem jamais, não devem gostar de ioiô. Não entendo jamais – como hei de entender alguém que chamo de eu? – mas sempre brinquei de ioiô. Eu era boa nisso, sabia? Gastava horas brincando. Conseguia fazer ele ficar lá embaixo rodando e vivendo por um tempão, mas vezenquando ele tinha que subir pra respirar um pouco e retomar a força para viver rodopiando lá embaixo. Cresci assim. Sou um pouquinho tonta por isso, admito, muito embora viva bem nos meus extremos.

Mentira. Viver sempre foi uma tarefa árdua pra mim. Nunca soube como lidar com essa coisa estranha de ser alguém. Quem inventou que devemos nascer, crescer, ter filhos e morrer? Que coisa estranha, meu, nunca quis crescer, quem dirá seguir esse paradigma. Resolvi achar um outro alguém que sofresse do mesmo problema. Das duas, uma: a ânsia se dividiria pela metade ou dobraria.

Dividiu. Primeiro um sorriso. Uma lágrima. Um sorvete. Um lanche no Mc Donalds. Depois foi uma calça deixada lá. Uma blusa aqui. Uma bermuda lá. Um sutiã aqui. Até que as almas foram cuidadosamente misturadas deixadas irmãmente na casa um do outro. Porque amar alguém é isso: começa dividindo, vai emprestando, até que te roubam de ti mesmo, te mudam e você nem reclama. Eu não reclamei. Você também não. Mas como tudo, tinha um porém: carreguei  para nossa mistura o ioiô. Você não se apegou muito a ele, mas eu me agarrei. Mais forte do que nunca.

Eu senti o puxão pra cima. Medo. Dúvida. Choro. Reflexões que nunca levaram a nada. Eu dizia vou embora. E você não, não vá. Mais choro. Muito mais. Cinco minutos longe. Um dia. Uma semana. Duas. Minhas roupas continuavam na sua casa. As suas, aqui. Seu cheiro também. A preguiça de buscar as minhas coisas tomava conta de mim e eu já pensava “por que não?”. Voltava. Você? Aceitava. Retornávamos já e voltávamos para baixo. Tudo novo. Você, o amor, o eu te amo se tornava uma frase novamente tensa de se dizer pelas primeiras vezes. Tempo. Tempo. Tempo. Crise. Tempinho. Preguiça. Volta. Nosso amor era um ciclo já certo e, embora esse movimento seja constante, nunca se sabe quando a linha vai enrolar e parar a brincadeira. Mas sempre agüentamos.

Ir e vir era minha brecha para te ver de longe e me encantar de novo.

sábado, 21 de maio de 2011

Diálogo de uma manhã de quase inverno

- Cara, você de gorro tá tão fofinha, que dá vontade de te pendurar na minha árvore de Natal!
- Mas pra quê?
- Porque eu poderia olhar para você o dia todo..
- E aí ficaríamos juntos pra sempre?
- Não, só em épocas sem Natal, porque no Natal você ficaria lá na sala, na árvore.
- Mas como eu vou comer?!
- Eu te dou comida, eu cuido de você.
- Aí vai sempre pra sempre?
- Pra sempre..

domingo, 1 de maio de 2011

E ainda tento ser

Eu sinto sua falta. Eu sempre senti sua falta em todo esse tempo que passamos separados, não vou mentir. A dor da falta é grande, mas é suportável. Essa saudade inundaria todos os habitantes dessa casa, caso alguém reparasse nela – ninguém repara. Quem somos nós para parar e reparar na dor e no sentimento dos outros? Não sabemos nem lidar com os nossos, como lidaríamos com os alheios? Mas reparamos na ausência. De humor, de felicidade, de simpatia. Na ausência do certo: reparamos nos erros. Porque nós não erramos! Então temos sempre que vigiar os outros para que sejam tão perfeitos como nós.

Eu precisava superar essa necessidade que tenho de você. Meu corpo sabe muito bem lidar com sua ausência, mas por vezes grita. Uma vozinha aguda e histérica que sempre insiste em me levar para o teu lado. Parece inundar minha boca também. Por vezes, sinto-me falando incessantemente “Luis, Luis, Luis”. Deve ser qualquer reação inconsciente para evocar-te divinamente, só pode. Não sou tão forte quanto me julgava ser. Corrigindo: somos mais forte do que imaginamos, mas não temos uma força de vontade equivalente. Cadê que quero cumprir minhas palavras e deixar-te ir, fazer-me ir? Também não quero ficar. Entenda: eu mudei e mudo a cada pensamento que possa passar por aqui. São tantas mudanças que permaneço igual. Alguém tem que vir aqui e cuidar de mim. Ainda sou uma menina.

Mas minha grande pouca idade já me dá uma certa noção de quem posso ser, de quem sou ou de alguém que imagino ser e nunca fui – a hipótese mais plausível. Afinal, sobrevivi a tantas coisas. Catapora, água da Lagoa, Lego com menos de 4 anos, carro sem cinto de segurança no banco de trás, atropelamento, pais . Só não sobrevivi a você. Ainda.

Aquele momento entre deitar e dormir se transformou no mais terrível de todos. Nele passam os acontecimentos dos dias e recapitulam-se sentimentos: erros e acertos. Imaginam-se histórias, diálogos, imaginação voa livremente como manifestação dos nossos desejos oprimidos e não realizados. Verdammt. Ela me faz sofrer. Abre a ferida num diâmetro tão largo que lá no fundo é possível ver você a acenar para mim – traga-me de volta para tua vida! exprimias tu. E minha mente enfiava a unha, o dedo e a mão inteira na ferida e alargava-a, ia até o fundo e rodava em busca de ti na forma de me doer mais ainda. E quando a dor tornava-se insuportável e as lágrimas já não podiam mais ser contidas, eu adormecia. Adormecer faz com que a imaginação que dói imediatamente pare de funcionar e só a que dói pós-imaginado atue em forma de sonho.

Não sonhei essa noite. As 9h horas interrompidas de sono e calor foram o suficiente para deixar o sangue que jorrou ontem à noite estancado e a ferida aparentemente rosada. À tarde, isso evoluiria para uma casquinha. Com sorte, amanhã seria uma cicatriz. Minha sorte depende de mim. Se eu permitisse que amanhã ela amanhecesse novamente rosada por causa novamente da minha mente, eu seria fraca. Mas quem tem que ser forte o tempo todo? Somos humanos – esse é o maior problema do mundo. Se ela acordasse no dia seguinte uma cicatriz, eu iria continuar reclamando, afinal, quem quer uma cicatriz tão visível desse jeito?

Por muito tempo, aconteceu a primeira opção: joguei contra minha própria sorte. Dizem que entre nossa felicidade e o estado em que nos encontramos há nós mesmos a atrapalhar os planos de um ser feliz em potencial. Sempre tive dom pra ser mártir. Preferia o monocromático ao colorido, o dia à noite, as músicas down ao rockinho alegre. Minha mente inconsciente e conscientemente sempre me guiou pra onde podia haver mais drama. A tristeza e sua beleza sempre foram muito atraentes.

Mas num dado momento eu parei. Uma rotina, até a que agrada, é sempre algo cansativo. Resolvi revolucionar. Abri os olhos. Levantei da cama. Abri a janela e contemplei o sol, que dia lindo! Sentei na varanda e li um livro. Nem tomei café da manhã. Vi um filme. Chorei o amor no final correspondido e acontecido da menina. E melhorei. Fiz exatamente tudo aquilo que os livros e os amigos nos mandam fazer nessas horas, tudo aquilo que sempre mandei os outros fazerem, e acreditem: funciona. Botei um vestido e um chapéu. Saí de chinelo. A pele mostrava-se mais rosada enquanto a ferida era uma quase insignificante cicatriz esbranquiçada na minha pele que exclamava: eu venci! – assim como todas as cicatrizes exclamam. Pensei que dessa vez eu seria feliz. E fui.