segunda-feira, 31 de maio de 2010

Uraniano

Olha, sinto dizer que, quando cheguei em Urano, morar aqui não era meu intuito. Não tem muito a minha cara: é azul demais, Terra demais. Sempre achei que fosse morar em algum planeta como Plutão ou Mercúrio, mas acabei achando que iria dormir demais no primeiro (sabe, é muito longe do Sol) e que iria morrer de calor no segundo. Fiquei aqui por acidente, foi bom.

Sinto lhe dizer, caro amigo, que não vou explicar-lhe a verdadeira razão que me trouxe até aqui - apenas saiba que fui expulso da Terra. Em meio a julgamentos e culpas tive como pena largar o Planeta Azul e me tacar nesse universo de Meu Deus. Saí tão às pressas que não tive tempo de dar tchau aos meus pais e nem de trazer malas. Uma saída apressada e atrasada, apenas.

De certo, tive muitos imprevistos. Sairia bem cedo de uma base de decolagem situada no alto da maior montanha da Sibéria - sabe, os russos mantêm muitos segredos: esse é um deles -, mas acabei perdendo o foguete. Acabei tendo como escolha esperar até a próxima decolagem, mas os russos são muito mal encarados. Por outro lado, com aqueles guardas me fitando o tempo todo, tive que arranjar outro jeito de ir embora.

Foi nessa hora que eu lembrei do Pequeno Príncipe. Nunca havia lido o livro - só eu no mundo não o li -, mas tinha uma amiga que contava-me a história todos os dias em todas as línguas possíveis. Bom, o fato é que iria usar da técnica do principezinho de se agarrar a um cometa e voar pela Via Láctea. Esperei chegar a noite, todos dormirem e peguei o primeiro cometa que pude. "Adeus, terráqueos hipócritas!", foi meu berro de despedida.

Horas depois lá estava eu voando por entre os planetas. Sem nem mesmo parar para ir ao banheiro. Ia vendo outros cometas passantes, outros viajantes que aparentavam não ter o mesmo destino que eu,  e eu naquele tédio mortal. Nem meu mp3 eu tinha para quebrar o galho!

Estava passando por Júpiter, quando percebi que meu cometa vinha dando defeito. Não sei como isso era possível, mas estava. Pelo menos uma teoria estava provada: não são só os homens que construem coisas com defeitos. Mas foi bem quando cheguei em Urano que aquela budega de poeira e pedrinhas se desfez por completo. Foi até muito proveitosa a quebra do cometa, senão a essa hora estaria em Alpha-Centauro. Ou em Andrômeda, quem sabe.

Enfim, Urano. Daqui mal consigo ver a Terra, Saturno e seus anéis me tapam a visão, mas os raios de Sol costumam me trazer notícias. Aqui é tudo tão azul, deve parecer a Terra, se visto de longe, isso me conforta, porque somente de longe se parecem. É um bom lugar para morar. Quer dizer, é bem pequeno, mas para quem mora sozinho como eu é um lugar e tanto! Minha solidão é curada pela ausência de vida. Em Urano, falta de vida significa, realmente, falta de pessoas; e não pessoas sem vida, como é na Terra. Assim não me sinto culpado. Ninguém me procura, eu não procuro ninguém.

Permaneço sentado no meu monte todos os dias. Não o apelidei de nada por enquanto - tudo ainda me lembra àquela antiga vida. No comecinho, costumava ficar horas e horas esperando que alguma poeirinha me trouxesse a noticia de que eu poderia voltar, mas descobri que a vida aqui é muito melhor. Tudo que eu planto, cresce. Meu planeta não tem palmeiras nem sabiá, mas dá pra ouvir o girar de um buraco negro que eu apelidei carinhosamente de "Engolidor de Sonhos". É útil quando tenho pesadelos com monstros tecnológicos da Terra.

Não há aqui nem verão nem inverno. Estou sempre na primavera ou outono, acho que nunca vou descobrir ao certo. Não preciso nunca me preocupar com tendências da moda. Não há repressões, nem religiões. Não há dores, muito menos holocausto. Não há aquela hipocrisia e falsidade. Não há humanos. Há apenas eu, que sou um. Quando se há somente um, não pode haver diferenças.

Sentado aos pés de minha própria montanha, vislumbro o azul escuro do céu. Cometas e estrelas cadentes, ferramentas vitais que os terráqueos perderam no vácuo espacial.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Cigarretes

-Clara!

Sem resposta. Ia calçando meu tênis, cada vez mais irritado.

-Clara!

Ainda nada. Estava afoito, precisava sair correndo - já estava pronto. Faz uns dias que a ouvi dizer, ao telefone, a uma amiga, que me amava. Desde então, não tive mais paz. Nunca imaginaria que uma mulher tão linda e estável como ela teria algum sentimento tão terno por mim. Ainda mais amor. Em minha mente, eu era somente mais um vagabundo a qual ela sustentava e fazia sexo todo dia. A ideia de que daqui a um mês ela me trocaria por qualquer outro amante de botequim não me assustava - me dava até certa paz. Sempre fui um grande cafajeste mesmo. Até quando a pobre menina estava a dormir - ela parecia até um urso hibernando -, eu ia lá e pegava algumas notas de sua carteira e transferia para meu bolso. Precisava acorda-la. Nem que a sacudisse por meia hora.

-Clara, Clara!!
-Que?! Ei, você está vestido.. o que você vai fazer?

Sua voz ainda meio sonada e meio confusa transmitia o sentimento que seus olhos de bichinhos amedrontado transmitiam.

-Hoje é sábado, lindo, e não são nem 8 horas da manhã. Você não vai encontrar ninguém vendendo maconha por aí a essa hora!

Agora, parecia que a cada letra havia uma súplica, um pedido sofrido.

-Eu vou.. eu vou..
-Não diz que vai embora! Eu te amo!

Aquelas palavras iam me mutilando.

-Não, eu vou só lá embaixo.. comprar cigarros.
-Mesmo?
-Mesmo.
-Ah, então tá..! Deite-se comigo depois de novo.

Ela deitara de novo em seu travesseiro com um tom de voz confortável de quem obtinha uma resposta convincente. Eu estava parado a porta, a essa hora.

-Clara!
-Que?
-Eu também te amo.
-Então ande logo, compre esse cigarros e volte para mim depressa.

Saí fechando a porta lentamente.
Eu não fumo.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Mais uma vez

Eu realmente lutei contra muito tempo. Mas isso já faz mais de ano. Hoje, me entrego, me deleito e me derreto. Antes, realmente não tinha a ideia de como tu, tão presente ao meu lado e tão como eu - se podes assim entender -, seria hoje o que é para mim. Como fui tola!

Não posso negar que durante muito tempo fizeste-me feliz. Era algo excêntrico, sim, mas isso dava aquele sabor meio acre meio doce que sempre gostamos. Aquelas minhas - e tuas - fugas de casa; nossos cúmplices, coitados; nossos beijos fugazes e escondidos, mas ao mesmo tempo tão na cara de todos. Por que sempre escondemos? Você sempre foi a primeira a dizer que amor não tem classificação e ao mesmo tempo a primeira a fugir. Você e sua mania de se contradizer.

Tanto se contradizia que me trocara por tantas outras - e por que não outros? - mesmo dizendo que me amava. Cômico, não acha? Eu não. Prometi tantas vezes a mim mesma não tocar mais nesse assunto para não sofrer mais, mesmo sabendo que não tocar nesse assunto era uma forma de omitir o que fizeste e de me acostumar a todo esse peso que você pôs em minha cabeça. Mas, calma. Deixe-me me organizar um pouco para que isto aqui não se torne simplesmente um papel com ideias desorganizadas e vomitadas. Antes de fingir esse costume a tuas fugas, eu fui contra. Bati o pé, fugi de você, te larguei. E voltei. (acho que agora está claro que depois desse "E voltei." que, a partir disso, passei fingir costume)

Mas, sabes, quem tanto finge algo, se torna ele.

Mas hoje vejo que não temos mais jeito. Eu, ela, ele, o senhor da esquina -  todos! Ao mesmo tempo que ainda me derreto contigo, vejo que não podemos mais seguir juntas. Acho incrível como fomos, e somos, capazes de de ir e vir 6 vezes em, deixe-me fazer as contas, 40 dias? Meu santo Deus do céu, como tive paciência!

Agora, lendo isso, sua cabeça deve estar incrustada de pontos de interrogação. Em primeiro lugar, o porquê. Está difícil de enxergar que essa é uma carta de adeus, uma carta de fim, uma carta de quem não aguenta mais ser um bichinho de pelúcia que vai e volta de cima do travesseiro - o lugar mais importante da cama? Desculpe, desculpe. Sabes muito bem que muitas vezes perco a cabeça e sou hostil, não era o meu objetivo, não nesse momento. Lembra-se ainda do meu porquê em gostar mais dos europeus, em especial os ingleses? Aquele comportamento superior, sem muito contato físico, aquele cinismo de quem não está a fazer nada enquanto acaba com o mundo, sempre foi meu comportamento preferido.

Estou perdida. Não, não na vida, nessa carta mesmo! Na vida acabei de me achar. Bom, agora o motivo de ser agora.  Sei bem que anteontem resolvemos nos afastar, houve todo aquele drama de sempre. E, bem, ontem mesmo resolvemos voltar porque, bom, o porquê nunca muda. A questão é que agora, depois dessa 7ª vez, eu to realmente dizendo adeus. Acho que estou fragilizada demais para que eu me submeta a isso mais 7 vezes. Imagine 14!!

E tem ainda o terceiro porquê. É que eu mudei. Eu assumi um compromisso e tenho que cumpri-lo. E não é comigo mesma, porque sempre me traio. Assumi um compromisso com alguém que mais parece minha consciência. E agora virei alguém de palavra.

Ah, deve estar se perguntando porque não disse isso ao telefone ou ao vivo. Bom, o que você esperava de alguém tão covarde que foi e voltou e se submeteu a tantas humilhações assim?

Com um antigo - e em breve esquecido - amor.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Sozinho

- O que você acha de conversar sozinho?
- Normal..
- Eu chamaria isso de loucura, insanidade, isso sim!
- Na verdade, se você falar sozinho sem estar sozinho, bem, vão te achar meio maluco mesmo.
- Mas e quem precisa falar sozinho?
- Aí ele fala sozinho!
- Faz sentido!
- É verdade!
- Obrigado, consciência.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Reescrevendo Los Hermanos

O verso que Amarante lindo esqueceu de botar na música:
"eu adoro o som de você indo embora, mas eu não consigo te deixar ir"
(ou qualquer coisa com essa síntese, não sou cantora, deixo claro)


"Que alguma coisa a gente tem que amar, mas o quê? Não sei mais"

sábado, 1 de maio de 2010

Até mais

Os sonhos de outro mundo me levam para longe de ti. Onde estás? Procuro-te a fim de fincar estacas e me agarrar a elas - um modo de permanecer ao teu lado. Mas essa mente inquieta que cisma em seguir e a procurar por alguma saída longe de qualquer lembrança desse mundo, por mais que eu não queira, me leva pra longe. Salva-me! Não deixe que me levem, pai. Peça ajuda, não sei - fale com a mamãe! Por que ela está sempre a soluçar em seus braços e não me ajuda? Não chores, pai. A montanha-russa vem. Tenho a impressão que já estive aqui antes, mas não parece ser um dejà-vú. Eram outros tempos, outras pessoas, outra vida. O brinquedo, já sem graça, vai rápido e eu tenho medo, pai. Faça-o parar, por favor. Peço com o resto de voz - interior - que tenho. Sensação estranha essa, parece que faz cosquinha. De tanto nervoso, esboço um sorriso. Ela me leva para longe. Boa noite, pai.