segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ponto de tangência

Se me contassem aquela cena há um mês atrás, eu chamaria a pessoa de idiota e mandaria ela ficar quieta. É, delicadeza definitivamente não é o meu forte. Aquele sentimento, sim, o era. Forte, mas tão forte que eu não sabia o quão profundo meu pobre coração era, para ele lá poder alcançar. E agora esse cigarro recém aceso me convida a um doce fim.

Por baixo das cobertas e do mundo eu ainda podia sentir o calor dos seus pequenos pés tocando o meu, mas por cima tudo que eu não queria era ainda ter o teu perfume preso em minhas narinas numa tamanha onipresença que chegava a me dar ânsia, quando da crueldade eu lembrava. E mesmo sem leituras profundas, eu pude perceber que estava totalmente entregue ao momento. Não era somente a cerveja, o Los Hermanos, o cigarro adocicado e a poltrona que me faziam me sentir envolvido com tudo: era você. Você, menina, sabia o quanto eu estava preso a você e fingiu não se preocupar com o que viesse a seguir. Mas agora o gosto, a fumaça, o cheiro, o ambiente, você - fiz questão de apagar tudo. O fim lhe acompanhou.

Deixe, menina, deixe que o mundo nos veja. Sempre viram nosso amor, seria injusto com nossos fiés espectadores priva-los de mais um capitulo de nosso romance, que agora nada de romantico tem, mas sim de realista. Sabe, Machado me ensinou tantas coisas na ultima vez que conversei com ele, embora naquela época achasse que seus comentarios se aplicavam a todos os casais do mundo exceto a nós dois. Ele, mais uma vez, estava certo. Não é muito a toa que já me chamaram de Machadinho. Permita que o amanhã nos flagre e resolva o que fazer conosco, porque de mim já não deves esperar atitude nenhuma, largo tudo novamente em tuas mãos. Contudo, dessa vez o faço consciente.

Não sei se devo acreditar que farás disso algo bom, tu, que já deixaste tudo ao léu uma vez, não se incomodarias ao fazê-lo de novo.Não que eu não considere três maior que um, mas já achava o raciocinio um tanto quanto complexo para ter. Não sei se devo mais crer no que dizem e no que fazem, já que tu me decepcionaste. Tu eras o mundo para mim, menina. Sem ti, fico descrente em tudo. Em todos. A insegurança hoje me persegue de mãos dadas com o medo. Antes, não, por mais que você estivesse demasiadamente preocupada com o mundo lá fora, eu só me policiava em adentrar você.

Isso porque sempre achei muito doce essa tua feição. Era o meu prazer transposto em gente. Nunca aconteceu, mas acho que admirei tanto a tua pessoa que tu te transformaste para mim e todo o meu clamar eram por vós espalhadas pelo mundo, para que eu nunca me perdesse daquilo que eu sempre amei. E tu, incrivelmente, não mudaste durante todo o tempo que tivemos para nós dois. Os mesmos olhos penetrantes, a mesma miudeza portadora de uma gigantesca pessoa. Mas, em um dia, em uma tarde, em algumas horas, você se dissipou por completo, menina. Espalhou-se por todos os cantos, perdendo alguns de teus pequenos grandes traços e tratou de cometer o suicidio de quem eu tanto sonhava em minhas horas acordado.

Mas logo depois tu te recompuseste e eu não sei mais como reagir. Não sei como encarar teus olhares cortantes, que, mesmo fragilizados e não querendo assim ser, o são. Eu sangrava a cada vez que era obrigado a cruzar com eles, a cada vez que eu precisava ouvir referencias a ele. Eu sangrava porque sabia, e sei, quem tu és, mas também porque sei que se deixou desfazer por um momento. Será que só eu tenho medo que isso aconteça de novo? Mas sei que continuarei me encontrando em ti enquanto essa pergunta puxar meu pé a noite como um fantasma. Continuarei estando preso aquele ser teoricamente intangível que se deixou levar por revoluções pessoais e se deixou tangenciar. Mas mantenho ainda aquela minha profunda e pequena esperança que aprendi nas aulas de matemática, embora o mundo, a cerveja, o cigarro, o Los Hermanos e a poltrona façam um complô pelo contrário: tangenciar é em um único ponto. Aquele que acabou de passar.

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