segunda-feira, 24 de maio de 2010

Cigarretes

-Clara!

Sem resposta. Ia calçando meu tênis, cada vez mais irritado.

-Clara!

Ainda nada. Estava afoito, precisava sair correndo - já estava pronto. Faz uns dias que a ouvi dizer, ao telefone, a uma amiga, que me amava. Desde então, não tive mais paz. Nunca imaginaria que uma mulher tão linda e estável como ela teria algum sentimento tão terno por mim. Ainda mais amor. Em minha mente, eu era somente mais um vagabundo a qual ela sustentava e fazia sexo todo dia. A ideia de que daqui a um mês ela me trocaria por qualquer outro amante de botequim não me assustava - me dava até certa paz. Sempre fui um grande cafajeste mesmo. Até quando a pobre menina estava a dormir - ela parecia até um urso hibernando -, eu ia lá e pegava algumas notas de sua carteira e transferia para meu bolso. Precisava acorda-la. Nem que a sacudisse por meia hora.

-Clara, Clara!!
-Que?! Ei, você está vestido.. o que você vai fazer?

Sua voz ainda meio sonada e meio confusa transmitia o sentimento que seus olhos de bichinhos amedrontado transmitiam.

-Hoje é sábado, lindo, e não são nem 8 horas da manhã. Você não vai encontrar ninguém vendendo maconha por aí a essa hora!

Agora, parecia que a cada letra havia uma súplica, um pedido sofrido.

-Eu vou.. eu vou..
-Não diz que vai embora! Eu te amo!

Aquelas palavras iam me mutilando.

-Não, eu vou só lá embaixo.. comprar cigarros.
-Mesmo?
-Mesmo.
-Ah, então tá..! Deite-se comigo depois de novo.

Ela deitara de novo em seu travesseiro com um tom de voz confortável de quem obtinha uma resposta convincente. Eu estava parado a porta, a essa hora.

-Clara!
-Que?
-Eu também te amo.
-Então ande logo, compre esse cigarros e volte para mim depressa.

Saí fechando a porta lentamente.
Eu não fumo.

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