sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Um alguém diferente

Eu sou um curinga num mundo habitado de valetes, damas e reis. Mas esses acho que são os que habitam mandando nesse mundo, o resto se contenta em ser número - ou nem sabe disso. Estranho esse mundo onde as pessoas não sabem o que elas mesmas representam nele, qual seu papel. Eu não sei o meu, mas tenho certeza que não sou daqui. Eu me taco na minha própria solidão sabendo que ela, em algum momento, me fará bem. Convenhamos: esse sonho não é meu.

Sinto-me tão alheia a isso tudo. Busco lugares e pessoas nesse local que realmente façam com que eu me sinta em casa. E admito que poucos tem esse poder. Se alguém me encanta, eu saio do lugar aonde me escondo, procuro o mundo, sinto o pólen das flores me fazendo cosquinha e enxergo tudo verde. Mas basta um tropeço de decepção para que eu queira, ainda mais, fugir. Os sentimentos e sensações desses momentos são uma contradição que eu sempre gostei de viver, mas nunca gostei de sentir. Eu ainda procuro o meu lugar preferido no mundo, mas acho que ele não existe.

A melancolia às vezes sinto que não é só minha. Quantos outros curingas temos no baralho? Um? Pois então, para cada 54 habitante normal desse mundo onde ninguém mais sabe definir a normalidade - ou somos nós que a inventamos? - há dois curingas. Duas pessoas com cara de bobos da côrte, jeito de bobo, mas que deixam muito a desejar nesse cargo. Duas pessoas que não se sentem acomodadas na vida e se perguntam de onde vem, duas pessoas que se permitem se olhar e não pensar que é um gênio apenas por conseguir achar vida em Marte. Deixem Marte em paz! Como atrevem-se todos a perturbar uma vida lá fora com toda sua futilidade e falsa superioridade?

Eu cresci junto com minha própria morte e meu próprio amor. E aprendi, tentando afastar toda essa escória chamada mundo de mim, que para que alguém possa ir embora, é preciso que um pedaço fique. Enquanto todos os outros se preocupavam em apagar relacionamentos de suas mentes, eu ficava com a saudade e a lembrança. Quem seriam todos se não fossem os vestígios do passado deixados? O que seriam das cartas se não fossem as digitais marcando seu passos e usos? O desuso do passado na construção do futuro desse mundo onde todos permanecem adormecidos me espanta. O curinga é um rebelde sem causa, que se rebela com o sistema por não ter pelo que mais se rebelar em sua boa vida de ser apenas diferente?